terça-feira, 17 de março de 2015

Estava embriagada. Vinha com os pés tortos, a tentar manter uma postura séria, com uma alça descaída naquele vestido que a tornava tão bonita. Nem com as faces rosadas ficava decomposta da sua elegância, do seu pescoço delgado coberto pelos cabelos desgrenhados. Disse-me para trazer chá num termus. Para vir de carro e trazer um cobertor; disse que tinha planos para um parágrafo da nossa vida.
- Eu não estou bêbada. - disse, enquanto tentava sentar-se no carro, e o vestido descaia-lhe ainda mais no peito. Era impossível não ficar fascinado; não ficar seduzido por aquele corpo selvagem.
Ela notou o meu olhar, sorriu, mas como qualquer pessoa aquecido pelo álcool, tentou acreditar que eu não vi. Retomou a compostura séria e disse:
- Leva-me às montanhas. Ao local mais escuro das montanhas que conheças. Não quero pessoas, não quero casas, não quero luz; só quando o Sol nascer. Não digas nada.
Eu sorri e liguei a ignição. A música tocava; não me lembro sobre que falava, mas ela cantarolava-a sem controlo, sem letra, sem conhecimento. Passava os dedos no cabelo e tinha as pernas sob o tabliê, brancas e com pisaduras leves. As botas cobriam-lhe os tornozelos, e sabia que por debaixo delas estariam unhas vermelhas, já descascadas. Costumava vê-la dançar de manhã descalça; sabia os pequenos pormenores de cor.
Chegamos. Ela aprovou, saiu do carro ainda ligado, e veio-me buscar à porta. Agarrou-me para sair, segurou-me a face e mordeu-me o lábio, encostando-me ao carro. Senti o calor, senti o gin na boca dela e os seus olhos perdidos. Senti-me perdido. Ela acordou, como sempre; separou-se de mim, e puxou-me pela mão. Com o cobertos nos braços e o chá na mão, paramos numa zona inclinada, entre plantações arbustivas. Estendeu o cobertor, deitou-me, deitou-se. Ficamos de barriga para o ar.
- Quero ver as estrelas. Enquanto bebia, só pensava em ver as estrelas. E sabia que a pessoa certa eras tu. Sabes onde é a ursa maior?
- Não. Podes dizer-me?
- Ali. Não posso apontar com um dedo, mas posso indicar-te com o meu punho. Segue o meu olhar.
- Acho que estou a ver.
- Ela protege-me.
- Eu também te protejo. Posso ser a teu Urso Maior?
Sorriu, e quando parou, disse, com um brilho único:
- Tu és muito mais do que isso.
Inclinou-se para mim:
- Vamos beber o chá? Quero curar a bebedeira. Quero viver este momento sóbria.
Levantou-me, e eu fiquei sentado enquanto ela se sentava em cima de mim. Tinha o peito encostado a mim, o tronco enrolado no meu, e os olhos fixos na minha boca. Beijou-me, ainda quente do álcool, mas mais quente do desejo. Ardia, quando me trincou o lábio inferior e me desceu uma mão pelas costas  e a outra percorria o meu pescoço. A noite era nossa e as estrelas as confidentes. Por isso é que ela amava as estrelas; vim a descobrir.

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